O ajustamento em curso

Hoje, ao dar a volta à imprensa, deparo-me com a seguinte noticia:
"Entre 1941 e 1943, em plena Segunda Guerra Mundial, Portugal neutral conseguiu vender mais ao exterior do que importava, graças às exportações de volfrâmio para as potências beligerantes. Desde então Portugal comprou sempre mais ao exterior do que vendeu – neste ano e no próximo, contudo, será diferente, prevê o Banco de Portugal (BdP)."
iOnline
À primeira vista, é um facto extraordinário. No entanto é expectável, necessário, mas tem uma componente negativa, em especial no campo das finanças públicas. Economics 101: desde 1995 que Portugal tem vivido bem acima das suas posses, em especial desde a nossa entrada no Euro, com dívida financiada no estrangeiro, excesso de procura interna, desniveis entre a produtividade e salários, vis a vi os nossos concorrentes externos, o que gerou defices comerciais sucessivos e altos. Esta história é conhecida. Ad Nauseum.
O que parece que não é conhecido, pelo menos na imprensa, é que o caminho óbvio do ajustamento num regime de câmbios fixos, como é o caso do Euro, é exactamente a balança comercial ficar positiva no meio de uma recessão grave. Isto deveria ser por demais evidente: Se uma economia cresceu por excesso de procura interna alimentado por dívida, procura interna essa que foi dirigida à compra de bens e serviços produzidos no exterior, então o fim do financiamento (o que nos levou a "falir") leva à compressão dessa procura. Em português: Pessoas vão para o desemprego, empresas fecham, e as importações param, e em casos graves, começam a decrescer.
"Desde 1943 já tivemos outras recessões, e isto não aconteceu... porquê agora?", ouço alguns leitores a inquirir. Simples, porque esta é a primeira recessão grave que temos, onde não temos o Escudo como moeda. Normalmente a receita é "chapa cinco": desvaloriza-se a moeda, e o ajuste é feito (desvalorizar a moeda equivale a tornar importações mais caras, exportações mais baratas e o valor da dívida, a haver, menos penoso de suportar). Mas essa solução não existe. Não há moeda para desvalorizar, pelo que o ajuste é feito internamente, e é forçosamente estrutural: Desemprego sobe em flecha, a Economia Interna contrai, salários descem e, a parte importante do ajuste, o desiquilibrio interno entre sector de bens transaccionáveis (os que exportam) e o sector de bens não-transaccionáveis (os que importam) é corrigido.
Isto é, já agora, independente do Primeiro Ministro ser Social Democrata, Socialista ou o Rato Mickey. É mera constatação de factos óbvios. O que não é independente do Primeiro Ministro é como enfrentar o ajuste. Este é penoso. Tem de o ser, depois de anos de excessos. E tem de seguir o seu curso. A opção, reincentivar a Procura Interna com gastos públicos, é mera cosmética. Mesmo que resultasse, apenas nos dava mais uns anos.
Isto coloca o actual governo num melimdre Político e Financeiro. O Político é óbvio. Depois de passar a euforia dos jornais, alguém se vai aperceber de onde vem a Balança Comercial positiva e associar tal facto ao aparente colapso da procura interna portuguesa. O melindre está em convencer os Portugueses na necessidade de aceitar isso e aguentar um pouco mais este ajuste. Em pré-estágio para um ano de eleições autarquicas acrescente-se. O segundo problema é financeiro, e dúvido que o Terreiro do Paço não se tenha já apercebido dele: Este ajuste implica um colapso nas receitas fiscais. Vai demorar algum tempo - assumindo que continuamos neste rumo, e incentivamos ao ajuste - até o sector exportador compensar o sector importador, e a economia portuguesa voltar a encarreirar.
Ou, colocando isto de outra forma: O Estado Português tem neste momento um problema grave em mão, recebe a 90 dias mas paga de imediato. Não há liquidez para aguentar a queda das receitas fiscais. Isto já se está a verificar - alias, esta noticia apenas vem reforçar que o defice de 2012 vai derrapar por duas rubricas, impostos cobrados e juros pagos por pagamento de dívida pública a vencer (e não, em nada tem a ver com os "juros da Troika", mas sim com dívida pública emitida anteriormente, e não por este Governo). E isto pode revelar-se uma combinação muito forte para mais austeridade em 2012.