O Direito vai torto
Um artigo de Sandra Pimentel
Nem só dos novos prazos de prisão preventiva se faz a polémica à volta da grande reforma penal.
Em causa está o novo artigo 30º do Código Penal, que no n.º 3, agora introduzido, dispõe o seguinte:
“3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.”
Este artigo trata a figura do crime continuado, que segundo a mesma norma, consiste na “realização plúrima do mesmo crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
O crime contra bens jurídicos pessoais é, por exemplo, um crime sexual. Neste caso, a prática de um crime de violação reiteradamente e repetidamente contra a mesma pessoa, é julgado como um só crime, ao contrário do que se aplicava anteriormente, em que cada violação correspondia a um crime.
Cabe-nos perguntar quem introduziu este n.º 3 ao artigo 30º e porquê.
As implicações que esta norma trará a processos mediáticos como o da Casa Pia fazem levantar suspeitas muito tenebrosas à volta da reforma penal em geral, e desta norma em particular.
Claro que tudo deve ser analisado casuísticamente, mas se atentarmos a uma regra fundamental na aplicação das penas que é a da norma penal mais favorável, signifcando que existe uma imposição constitucional clara no que respeita à retroactividade ou não na aplicação das normas penais, no mínimo, cabe à sociedade civil uma reflexão profunda.
Mais, sobre o silêncio do Governo e dos demais responsáveis políticos sobre o assunto.