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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

E não é que Cavaco vai mesmo mandar?

João Lemos Esteves, 22.06.09

 

O sistema de Governo português definido na Constituição de 1976 reflecte a natureza compromissória da nossa lei fundamental - é um produto das cedências que grupos políticos de diferentes naturezas e ideologias tiveram que acolher para dotar Portugal de uma nova Constituição. E o mais curioso é que, não obstante a Constituição de 76 ser encarada como uma ruptura constitucional face ao período do Estado Novo, ela acaba por ser uma homenagem ao Prof. Marcello Caetano, porquanto, não obstante proclamar a Assembleia da República como principal órgão legiferante, há uma concentração de poderes no Governo sem paralelo em nenhum outro país democrático europeu. Lembre-se, por exemplo, que na versão originária da lei fundamental, era ao Governo que cabia tomar todas as medidas rumo à construção de uma sociedade socialista. Ainda hoje, o Governo pode elaborar decreto-leis (no exercício da sua competência legislativa) e ao mesmo tempo executar as mesmas leis (competência administrativa). O Governo tem, assim, natureza anfíbia, uma espécie de Dr. Jekyll and Mr. Hyde.

 

Ora, a concentração de poderes no Governo característica do nosso sistema de governo, tem suscitado dúvidas angustiantes acerca da sua qualificação - sistema parlamentar com ascendente governamental, sistema misto parlamentar-presidencial ou sistema semipresidencialista. Creio que esta última é a mais adequada para demonstrar a dupla responsabilidade do governo (perante a AR e o Presidente), mas também porque permite espelhar o jogo de forças existente em cada momento entre os órgãos de soberania.

 

Com efeito, o semipresidencialismo português não é uniforme - é dinâmico. Já tivemos um semipresidencialismo de pendor de primeiro-ministro (com Cavaco e José Sócrates, em que é o Governo, tendo maioria absoluta, que põe e dispõe, remetendo a AR para um plano quase teatral) e semipresidencialismo de pendor de assembleia ( governo Guterres, por exemplo, em que não há uma maioria estável e o executivo fica refém da AR e dos interesses dos deputados e dos queijos limianos).

 

Agora é que vem o picante da coisa: com o novo ciclo político iniciado no dia 7 de Junho, o PSD, com Manuela Ferreira Leite, pode vir a constituir um governo minoritário (ou em coligação com CDS). Iniciaremos, então, uma fase inédita na história política portuguesa: um semipresidencialismo de pendor presidencial, em que será o Presidente o líder político de facto e a chave do sistema de governo. Porquê? Porque aí teremos um presidente da mesma família política da primeira-ministra e dez vezes mais carismático (e mediaticamente mais charmoso, mais apelativo). Ainda por cima, sabendo da relação pessoal que existe entre Ferreira Leite e Cavaco Silva, o centro da vida política mudar-se-á de S. Bento para Belém brevemente. Aguardemos, pois...  

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