BALTAZAR REBELO DE SOUSA E O ESTADO SOCIAL
Todos nos recordamos que hoje, dia 11 de Setembro, assinala-se oito anos volvidos sobre o atentado terrorista ocorrido em Nova Iorque. É com, a um tempo, pesar, tristeza, respeito e solidariedade para com as vítimas e suas familiares que recordamos a colisão de aviões desviados por fundamentalistas islâmicos contra o World Trade Center.
Para além desta recordação trágica, recordei-me esta manhã que passam hoje 38 anos que Baltazar Rebelo de Sousa proferiu um dos seus discursos mais reveladores da sua capacidade de antecipar o futuro num regime já sem rumo (que já perdera a doutrina e já não era uma força), de sensibilidade social e lucidez política. Foi na sessão de encerramento das IX Jornadas Médicas de Medicina do Trabalho, na Figueira da Foz. Precisamente no dia 11 de Setembro de 1971. Ambiente propício para ele - que foi, sobretudo, um médico que enveredou pela política precocemente (até para mitigar a frustração de não ter feito esse grande curso que é o curso de Direito, por força do padrasto, que não lhe permitiu concretizar esse sonho).
Por vezes, tendemos a olhar para a história como olhamos para os romances de ficção, com uma olhar essencilmente passional. Analisamos a história política com base na dicotomia tão cara a Carl Schmidt de "amigo-inimigo" - que, no fundo, é a teorização do "bem" e do "mal", do "céu" e do "inferno", tão desconformes com a complexidade e a diversidade do ser humano e da vida social. Baltazar Rebelo de Sousa defendia um modo de organização política que não perfilhamos. E uma ideologia de que não temos saudade. Mas o homem, como dizia Ortega y Gassett, "é sempre o homem e a sua circunstância". Assim, como o político é também a sua circunstância - a sua circunstância temporal e espacial. E toda a política é temporal e espacialmente localizada, reflectindo as estruturas sociais dominantes. EM nenhuma época histórica, há só pessoas "boas" ou só pessoas "más" - o mundo nunca é "preto" ou "branco". Nunca é tão linear, tão simples, tão redutor.
Ora, Baltazar Rebelo de Sousa pertencia a um grupo de políticos que pontificando no Estado Novo, advogava uma abertura do regime a novas realidades, o diminuir do carácter repressivo do regime e mais intervenção no domínio social para atenuar as desigualdades entre os portugueses - grupo que ficou conhecido, por se reunir num hotel no Estoril, por " Grupo da Choupana". O político em causa ficou justamente conhecido por, no interior do regime autoritário e corporativo, demonstrar sempre uma grande sensibilidade social - até por influência de sua esposa, Maria do Céu Neves que, sendo assistente social, conhecia muito bem a realidade dos bairros sociais e o cancro social que é a pobreza.
No discurso de há 38 anos, Baltazar Rebelo de Sousa alertava, então, para a necessidade de se proteger a parte mais fraca (os trabalhadores) contra a propensão natural dos empresários de obterem cada vez mais lucro não olhando a meios. Sem diabolizar os empresários, afirmando que a iniciativa da sociedade civil é crucial para a criação de riqueza do país, o Estado - como entidade supra partes - deve intervir e regulamentar as condições de trabalho, o estatuto do trabalhador (como a Lei de Acidentes de Trabalho, surgida, então). Uma maior equidade social, reconhecendo a desigualdade natural dos homens(não há duas pessoas iguais, com os mesmos talentos, as mesmas virtudes) e sem cair nos perigosos excessos dos que levam o princípio da igualdade ao extremo, abolindo tudo o que fugisse aos cânones da ideologia oficial, deve ser uma prioridade e uma área de actuação do Estado. A colectividade não pode consentir que chagas sociais que corróiem a harmonia do todo e a felicidade individual de cada um subsistam irresponsavelmente. Baltazar Rebelo de Sousa percebia-o já em 1971. Em plena ditadura.
Evoco aqui este exemplo, após ouvir vários comentários de que Ferreira Leite perdeu o debate com Portas na questão do rendimento mínimo de inserção. Neste ponto, discordo. Um partido social-democrata defende a liberdade da sociedade civil contra um estado paizinho, mas tem consciência de que o mercado só por si não é suficiente para assegurar que todos beneficiam de condições de vida minimamente compatíveis com a dignidade da pessoa humana. O Estado em Portugal tem um peso insustentável e uma dimensão excessiva, o que só tem prejudicado a luta contra pobreza, contrariamente ao que os ideólogos progressistas da esquerda defendem. Há que repensar o Estado Social - mas não destruí-lo. Era bom que alguém perguntasse a Portas o que faria então para os casos mais prementes de pobreza social. Defender o fim do Rendimento Social de inserção (ideia que até não repudio) só porque sim, sem propor nada em alternativa , não passa de uma ideia populista. Portas com as várias faces politicas que teve, já anda confuso. Já mistura a postura de homem de Estado com frases populistas....