NUNCA SENTIU?
Ontem , os produtores de Hollywood reuniram-se para discutir a expansão do cinema 3D, visto como o futuro da sétima arte. Sem negar a relevância desta nova dimensão do cinema, convém que haja a sensatez necessária para não cair no monolitismo da tecnologia, dos efeitos especiais, sob pena de matar a magia do cinema. O 3D pode ser muito útil à indústria - é certo. Mas, se não utilizado com moderação e prudência, será a sua certidão de óbito.
Cheguei a esta conclusão enquanto assistia ao novo filme de Nick Cassavetes "Para a minha irmã" (My sister's keeper). É um melodrama bem ao estilo do realizador (já tinha dirigido o Diário da Nossa Paixão), com uma construção da narrativa curiosa: não apresenta uma história linear, com princípio, meio e fim, mas mostra a construção de cada personagem. É a reacção dos personagens retratados ao mesmo problema( o cancro de Katie, no filme, filha de Cameron Diaz, que tem aqui um desempenho extraordinário) que dita a evolução do filme. Não é uma obra sobre como lidamos com a dor. Não pretende mostrar como lidamos com doentes cancerígenos. É mais, muito mais que isso: é um retrato da condição humana. O simples facto de os personagens serem redondos (isto é, não terem um comportamento uniformizado, constante, mas sim variável à medida que a doença se agrava e a esperança se encurta) é um reflexo de que os seres humanos, por muito racionais que sejam, guiam-se mais seus sentimentos, pelas suas emoções - e têm receio do "fado" da vida, da fragilidade da sua (nossa) condição. Na ânsia de querer controlar tudo, quando algo foge ao nosso controlo ficamos à beira do abismo: a racionalidade é dominada pela afectividade, pelo coração. A história daquela mãe, advogada, que abdica de tudo para se dedicar à filha com cancro, acreditando que um milagre acontecerá de qualquer forma, poderia ser a biografia de alguém que conhecemos ou amamos. Não é um filme sobre aliens que conquistam o Planeta Terra e dominam o homem com armas XPTO - que anima, mas não convence. Não é um filme sobre um professor em busca de um cofre perdido com um tesouro valioso no Egipto, entre múmias e faraós - é fascinante, mas não comove. "Para a Minha irmã" é um filme sobre os limites do ser humano - por muito desenvolvimento tecnológico que haja ocorrido, não controlamos tudo o que nos acontece. No fundo, Cassavetes reformula a conhecida frase de Ortega y gasset ( o homem é ele e a sua circunstância) e diz-nos que a circunstância muitas vezes constrói, dita o destino de cada um de nós.
Á saída, confronto-me com uma senhora já de "experiência feita" a chorar incessantemente. Educadamente, pergunto a razão de ser do seu estado emocional. Foi o filme que a emocionou tanto? Explica-me: sua vizinha, melhor amiga, descobriu que a filha tinha cancro - a partir daí, nunca mais foi a mesma. Sempre tão divertida, agora anda sempre sorumbática, cansada de tanto lutar contra a fatalidade que a vida lhe reservou. Mais:diz-me que ver o filme lhe fez bem. Expiou-lhe a alma - por vezes não percebera a dimensão plena do sofrimento da amiga. Antecipar, prever, retratar a realidade, tornar os personagens verosímeis, tocar no coração dos espectadores, incentivar a reflexão - eis o verdadeiro poder do cinema! Decerto que o 3D , porque tão impessoal, não consegue...