O dia a dia de quem quer mas não pode
"Eu só queria mover-me. Não me importava com as dores, com as cãibras, com tudo o resto que trago aos meus ombros, mas só queria sair desta prisão que é o meu próprio corpo" |
Ela é uma pessoa com sentimentos, uma mulher exótica de olho azul, que não fosse a doença degenerativa, seria perfeitamente normal. Diagnosticada com Esclerose Múltipla com cerca de 35 anos, aos 50, encontra-se numa cadeira de rodas, sem possibilidade de movimentar as pernas, o braço direito e a perder a mobilidade do braço esquerdo. Ainda assim todos os dias se maquilha como pode, se penteia e coloca o sorriso que nos faz pensar que se conformou.
A Esclerose Múltipla manifesta-se de várias formas. Pode passar só por uma cegueira ou levar até à completa paralisação dos músculos, até um dia o coração deixar de bater. Aos medicamentos para as dores, as cãibras e a fisioterapia, somam-se a cadeira de rodas ou andarilho, as camas especiais para aqueles que estão em situações mais graves e cuidados de limpeza, etc. que só profissionais especializados devem e podem assegurar. Tudo isto sai caro. E sairá ainda mais caro.
Em Portugal estimam-se que haja cerca de 5000 doentes diagnosticados com EM. A estes, juntam-se os doentes com bronquite crónica, asma, psoríase, lúpus, entre outras, que perderão o direito às deduções fiscais no âmbito da saúde.
Alertada pela TEM – Associação Todos com a Esclerose Múltipla, fiquei chocada ao saber que "de 1988 até Dezembro de 2006 o modelo de cálculo do IRS permitia aos doentes crónicos / deficientes com uma incapacidade maior ou igual a 60% isentar parte do seu rendimento no cálculo do IRS e que desde Janeiro de 2007 existe um outro modelo que retirou os benefícios fiscais em sede de IRS para os substituir por uma dedução à colecta." Acontece que apenas e só os doentes crónicos / deficientes com uma incapacidade maior ou igual a 60% têm o direito de uma dedução fiscal específica (à colecta). Os outros que não têm esta incapacidade, mas com incapacidade menor como lúpus ou EM teriam pelo menos as deduções fiscais. Justificavam-se estas compensações fiscais diferenciadas (dedução à colecta e /ou benefícios fiscais) porque trabalham".
Ora, com uma incapacidade de 50%, encontrar um trabalho à sua medida torna-se complicado. Se mesmo jovens, com 100% de capacidade, encontram dificuldades a conseguir emprego, imaginemos alguém com uma deficiência, ou uma artrite reumatóide que as limita praticamente a uma secretária!
Seria justo acabar com as deduções fiscais aos doentes crónicos/deficientes, não fossem estes carregados com o custo de alguns medicamentos, próteses, consultas fora do SNS, equipamento especial e afins.
Infelizmente Portugal está muito longe de países como a Finlândia, onde um doente com EM tem assistentes que o tiram e põem numa cama anti-escaras todos os dias, 2 viagens ida-volta semanais de táxi para se poder deslocar até determinadas distâncias (curtas), equipamento especial e casas remodeladas para serem mais acessíveis e por fim medicamentos a um preço simbólico.

E nós? Nós tiramos a quem não pode dar mais.