O Rei vai nú...

Nos títulos a 10 anos, o juro disparou para 6,242% face aos 5,312% verificados no leilão comparável realizado a 25 de Agosto. Com este juro, a procura superou em quase cinco vezes a oferta.
Durante a negociação dos PEC I e II e do Orçamento de Estado 2010, este psicótico andava obcecado com um facto que considerava assustador: O facto de um terço do defice ser juros de dívida, o que implicava estarmos a pagar juros de dívida com dívida. As implicações eram, para mim, bastante óbvias: a dinâmica de juros e a dinâmica da dívida pública iriam ganhar vida própria. E na altura comentei que ou se faziam cortes radicais, ou estávamos em maus lençóis.
Para explicar melhor isto vamos reduzir isto ao absurdo: Estamos a pagar os juros do cartão de crédito antigo pedindo cartões de crédito novo. Eventualmente os juros vão crescer a uma magnitude tal que absorvem a totalidade do rendimento, enquanto a dívida continua a aumentar. O resultado é falência.
Nós economistas chamamos a isto Trajectória instável de dívida. E ela é visível na velocidade com que as taxas de juros de novas emissões aumentam. Há um ano atrás a República Portuguesa pagava 3.95 por cento por um empréstimo a 10 anos. Hoje, este último leilão, pagámos 6,24%. E quanto mais instável a dívida mais rápida é a subida.
As implicações são muito graves.
Em primeiro lugar, temos de encontrar entre 2 mil a 3 mil milhões de euros de cortes adicionais ao que já estava previsto nos PECs, para manter tudo na trajectória.
Em segundo lugar, mesmo que tivéssemos um saldo primário (saldo orçamental sem juros) de zero (equilibrado), a dívida continuaria a aumentar, e com ela os juros. Temos de ter um excedente primário igual ao valor dos juros a pagar para parar a dívida.
Em terceiro lugar, coloca o sistema de crédito português em enormes apuros: é impossível um banco financiar-se a uma taxa inferior ao Estado de onde vem. Quanto maiores os custos de financiamento do Estado Português maior os custos de financiamento da Banca Portuguesa. Ora, se os créditos estão contractualmente fixados, ou seja, não levam em linha de conta este enorme spread, isto quer dizer que a banca vai estar a sangrar dinheiro no imenso stock de dívida privada que temos. Isto significa que terão de conceder menos empréstimos, ou conceder a taxas muito mais altas, ou ambos.
Em quarto lugar, dada a estrutura da Economia Portuguesa (defice externo crónico, excesso de procura interna e falta de produção de bens exportáveis) isto quer dizer que, temos de crescer anualmente acima do valor dos juros de modo a que o rendimento cresça. Ou seja, para quem não gosta de contas: até aos 5 ou 6 por cento de crescimento, estamos a crescer para pagar dívidas! É a velha questão PIB (o que é produzido cá) vs RNB (o que realmente fica cá depois de tudo pago) e é por isto que há anos que os portugueses não vêem crescimento real nos seus bolso.
E tudo isto é independente da péssima trajectória orçamental que estamos a ter. Eu já comentei que aposto num défice entre os 8,5 e os 9 por cento para 2010. Ontem vi que não era maluquinho: Paulo Trigo Pereira, professor no ISEG (e meu professor de Finanças Públicas) e socialista fez o mesmo comentário ao Jornal de Negócios. Sem medidas extraordinárias a derrapagem vai ser ainda maior.
O mercado já percebeu que o Rei Sócrates vai nú! Estamos a pagar mais do que pagaríamos se fossemos ao "fundo de bailout" europeu. E não se esqueçam da Real Politik: o eleitorado alemão não perdoará outra "Grécia". E nós, caminhamos para lá. A alta velocidade!