Os magos da Contabilidade do Terreiro do Paço
Imaginem que têm uma pequena empresa familiar. Digamos, para simplificar ao absurdo, uma loja de roupa. Imaginem que precisam de dinheiro para tapar uns buracos, pagar salários, dado que as vossas receitas anuais não estão a chegar para cobrir os custos fixos. Os tempos são difíceis, logo vão ao banco pedir um empréstimo. Vamos simplificar: têm garantias, o banco considera-vos um bom cliente. Conseguem o empréstimo.
Agora o truque: Imaginem que registam o empréstimo como receita (o valor total que o banco vos dá), mas não reconhecem o passivo que vão ganhar (o valor total das prestações mais juros). Se mostrarem as demonstrações financeiras a alguém ele vai pensar "ena ena, muito saudável" porque não vão ver o empréstimo.
Não faz muito sentido pois não? "Claro que não Guilherme. Alias, o Plano Oficial de Contabilidade nem o permite. É fraude!". É fraude sim senhor. A não ser que a vossa "pequena empresa familiar" se chame Estado.
Imaginem agora que estão sentados no Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço. Mesma situação: precisam de dinheiro para pagar custos (despesa) porque não têm receita suficiente para cobrir tudo. E o "banco" (vulgo mercados de crédito) já não anda com muita paciência para vos aturar. Onde vão pedir um empréstimo? Aos pensionistas de uma, ou várias empresas privadas.
E não se iludam: a passagem do fundo de pensões da PT para o sistema nacional de pensões é um empréstimo. Mas com um twist: é registada a receita este ano (2,6 mil milhões de euros) mas não são registados o valor actual das responsabilidades. E aqui, as pensões a pagar no futuro, são equivalentes a "prestações de um empréstimo". É que, do ponto de vista de Contabilidade Pública, vocês, na posição de Ministro das Finanças, só necessitam de registar como Despesa o que vai sair dos cofres nesse ano. Não o que vai sair dos cofres nos próximos 50! E não, não é fraude. Bem vindos ao fantástico mundo da Contabilidade Pública.
Acham que isto já é assustador? Nahhhh... Fica ainda melhor:
O presidente do BCP, Carlos Santos Ferreira, disse ao "Jornal de Negócios" que a mudança [Passagem dos fundos de pensões dos bancos para o Estado] pode ficar acordada nos próximos dias e consagrada no Orçamento de Estado para 2011, pelo que teria efeitos já a partir de Janeiro. As conversas estão a ser lideradas pela Associação Portuguesa de Bancos que não esteve disponível para comentar. O Ministério das Finanças também não.
Nada como o maior sistema de pensões privado do país para tapar o buraco do próximo ano (ando a dizer isto ad nauseum há quase 6 meses: no mínimo o Governo precisa de mais 2 a 3 mil milhões de euros para em 2011 manter o défice constante!).
Assustados? Ainda não? Não se preocupem. Fica ainda melhor:
Os sistemas de fundos de pensões funcionam em modo "Capitalização". Vocês contribuem para contas privadas, geridas por um fundo de pensões. Isto quer dizer que tomam partido do efeito do juro composto, um efeito exponencial de crescimento. O sistema nacional de pensões do Estado é "pay-as-you-go", ou seja, vocês contribuem não para contas pessoais mas sim para pagar as pensões actuais, confiando que alguém contribuia para pagar as vossas. Problema: demografia!
Um sistema capitalizado precisa de menos contribuições mensais que um sistema pay-as-you-go. Basicamente, mesmo assumindo que os fundos de pensões dos bancos e da PT estão devidamente capitalizados e bem calculados, quando se alterar para o modo pay-as-you-go, a factura sobe, porque já não existe "efeito juro composto".
Alivio de curto prazo, muita dor potencial de longo prazo!