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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

Maniqueísmo Primitivo

Miguel Nunes Silva, 09.12.10

 

Está agora nas salas de cinema de todo o país o filme ‘Fair Game’ – ‘Jogo Limpo’. O filme trata de um escândalo político que ocorreu nos EUA

poucos meses depois da invasão do Iraque, quando um ex-embaixador Americano decide vir a público para divulgar que o Presidente Americano George W. Bush havia mentido num dos muitos ‘factos’ oferecidos para justificar a invasão, nomeadamente no argumentário das armas de destruição massiva – ADMs. O governo Americano, num laivo de partidarismo febril reminiscente de Nixon, decide ao mais alto nível punir o ex-embaixador revelando a identidade secreta da sua mulher Valerie Plame, uma agente NOC – non-official cover – da CIA. Tal como no escândalo Watergate, a Casa Branca faz uso de poderes de Estado para avançar um programa partidário: o da validade do casus belli da operação Iraqi Freedom. Neste caso as consequências foram talvez ainda mais graves já que o dano causado não danificou um partido político mas sim o próprio Estado Americano, ou seja todas as operações em que Valerie Plame alguma vez tinha trabalhado.

 

 

Este é um bom filme (à excepção da legendagem) mas como todos os bons filmes é baseado num livro; neste caso a obra autobiográfica da própria Valerie Plame. Mas não é segredo que esta é uma película ‘independente’, o que em Hollywood equivale a dizer que a narrativa não é politicamente correcta e que contém uma mensagem controversa e de esquerda. Não vou ao extremo de o comparar aos ‘documentários’ de Michael Moore mas é um filme ainda assim muito polémico pois tanto Valerie Plame como Joe Wilson tornaram-se darlings dos jantares humanitários de George Clooney, grandes e públicos apoiantes do Partido Democrata e o escândalo chegou perto de ter indiciado Karl Rove e Dick Cheney num processo legal.

 

Aquilo que este e outros filmes demonstram claramente é um arreigado maniqueísmo primitivo da esquerda. É que até há poucos anos, Hollywood e a esquerda europeia retratavam a CIA como um organismo demoníaco e maquiavélico – curiosamente uma equivalência herdada do ‘Index’ do Vaticano… Em filmes como ‘The Good Shephard’ a secreta Americana persiste como a organização que não olha a meios para fanaticamente combater o perigo vermelho. Hoje em dia no entanto, em filmes como ‘Green Zone’ a CIA é já um paladino da sensatez – atente-se no toque de racionalismo da frase de Plame ‘You don’t know what we can and cannot do’ – que infiltrada pelos burocratas conspirativos de Bush, é desviada para dar cobertura ao embuste.

 

A razão para a inversão ideológica está na apresentação dos problemas em questão. Se até há poucos anos, o serviço de informações Americano era o ventríloquo anónimo por detrás de esquemas maléficos nas obras de autores como Noam Chomsky ou John le Carré (qual dos dois é o autor de ficção fica ao critério de cada um), hoje a CIA tem uma face humana e sobretudo desde Valerie Plame e Joe Wilson, de combate ao poder. Aqui reside a matriz de toda a esquerda: o fraco e o pobre têm inerentemente razão e superioridade moral em relação aqueles no poder. Mesmo que estes últimos sejam eleitos democraticamente ou tenham intenções justas, se forem mais ricos ou poderosos que os seus adversários, perderão a razão.

 

 

Não é aliás preciso ir mais longe do que o recente escândalo da WikiLeaks. Aonde estão os esquerdistas que se indignavam com a actuação da administração Bush, que ao revelar a identidade de Valerie Plame havia traído um agente e trazido a público segredos de Estado? Porque não apelam estas mesmas pessoas ao julgamento por traição e com pena capital de Julian Assange – o mesmo castigo que reservavam para Cheney? Porque viraram tão rapidamente de rumo, todos os apologistas de Obama?

 

 

A resposta é simples, primitiva e maniqueísta: Assange é mais fraco que o governo Americano e tem por conseguinte maior superioridade moral do que este último. David há-de sempre ter mais razão que Golias. Não é por acaso que Israel, outrora defendido pela esquerda, ao atingir o estatuto de potência regional se tornou o alvo do ódio de todas as vertentes da esquerda internacional. Nem é tão pouco incoerente que Al Gore enquanto ex-Vice Presidente e crítico da Administração Bush tenha tido mais visibilidade que teve enquanto todo-poderoso homem de Estado.

 

Esta atitude não é uma doutrina política legítima. Esta atitude tem apenas um e só nome: preconceito.

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