Uma indústria em mutação

A indústria farmacêutica sempre granjeou muitas críticas... Esta é uma indústria altamente lucrativa, de facto, mas é também uma indústria que baseia a sua sobrevivência em investimento intensivo de capital. É, sem dúvida, uma indústria que movimenta biliões de euros, e isso tende a chocar as pessoas, na medida em que o seu lucro é visto como imoral, sustentado na doença de terceiros.
Outras indústrias como a automóvel ou a de semicondutores, também elas indústrias altamente lucrativas, não causam tantos humores... No fundo a indústria tende a ser avaliada com base nos sentimentos associados aos produtos que vende.
Recentemente, houve algum regozijo com a redução substantiva dos lucros das grandes gigantes farmacêuticas, motivada sobretudo com o expirar de algumas patentes que protegiam os seus produtos, que foram rapidamente reproduzidos por outras empresas e comercializados sob a forma de genéricos. Até aqui, o mercado regozijou com o aparecimento de medicamentos mais baratos e com um suposto sentimento de competição entre as antigas gigantes farmacêuticas e as novas empresas, pela produção de fármacos mais baratos. O tempo provará o contrário.
A verdade é que a Indústria farmacêutica está a sofrer uma mutação. As gigantes farmacêuticas vêem perdendo lucros e, consequentemente, capacidade financeira para lançar projectos de investigação e desenvolvimento de novos fármacos, o que tem potenciado o desenvolvimento de um novo sector de spin-offs farmacêuticas de pequena e média dimensão que possuem uma pequena carteira de produtos protegidos por patente. As gigantes farmacêuticas, por seu lado, começam a fazer outsorcing da sua produção em mercados onde a produção (e a qualidade) são mais baratos, o que potencia o risco associado aos medicamentos que tomamos. Recentemente, no Perú, centenas de crianças tomaram anti-depressivos erradamente encapsulados sob a forma de antibiótico... Mais grave ainda, é o outsorcing dos testes clínicos de medicamentos em países de terceiro mundo, que tem levantado não só receios de qualidade, mas sobretudo éticos.
Se os lucros das grandes farmacêuticas causavam animosidade aos consumidores, a falta deles vem promover a perda de qualidade dos medicamentos, e mais, vem comprometer a investigação de novos medicamentos. Mais, é relevante que estas novas farmacêuticas de pequena e média dimensão tendam a produzir fármacos mais caros, não só porque possuem custos de mão-de-obra mais elevados (empregam sobretudo técnicos altamente especializados e PhD's) mas porque a sua fonte de rendimentos se baseia na exploração de uma pequena carteira de produtos.
Será de esperar, por isso, com o acompanhar da desvalorização dos genéricos, a valorização dos medicamentos protegidos por patente... Se o tratamento a uma inflamação tende a sair mais barato, o de doenças crónicas ou agudas tende a encarecer...