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PSICOLARANJA

O lado paranóico da política

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O lado paranóico da política

A Tragédia de Gamal Mubarak

Miguel Nunes Silva, 02.02.11

 

O herdeiro aparente ao trono do Faraó, parece ter sido posto de lado definitivamente. Esta é uma perda importante para o Egipto pois Gamal era a mais forte esperança para a modernização do Egipto, desde Sadat.

 

Esta modernização começou com o golpe dos ‘oficiais livres’ contra o rei Faruk, liderado por Gamal Nasser. Nos anos 50 no entanto, a realidade era outra: ainda que os Europeus perdessem o Egipto, os Americanos podiam tomar o seu lugar, Israel não era ainda uma potência e tanto a Turquia como o Irão eram aliados do ocidente. Mas Nasser acabou por alinhar com a URSS, a única potência que apoiava a sua reivindicação ao canal do Suez. Ainda que o canal tivesse sido construído por Ingleses e Franceses, a sua administração fosse internacional, e a sua utilização fosse livre, Nasser fez do Suez uma bandeira nacional e viria a apropriar-se dele coercivamente – seguindo as pisadas aliás de muitos outros países do 3º mundo, como por exemplo os fundadores da OPEP. Nasser foi um líder carismático mas não eficiente. A nacionalização do Suez valeu-lhe uma guerra e uma humilhação. O seu belicismo para com Israel valeu-lhe uma segunda dose, para não falar da intervenção no Yemen. Economicamente, o seu historial também não é digno de apreço ao ter deixado a economia em pior estado do que a tinha encontrado.

 

O sucessor Anwar Sadat foi uma mudança diametral para o Egipto: fez-se a paz com Israel, o Egipto garantiu o Sinai e o Suez, e a economia prosperou. Infelizmente para Sadat, os grandes reformadores são frequentemente vítimas dos ‘velhos do Restelo’ e no seu caso, a sua coragem valer-lhe-ia a morte por assassinato. Apesar da maior estabilidade e crescimento económico que Sadat trouxe, o seu governo sofria de impopularidade devido à paz com Israel – algo que a sociedade Egípcia antisemita e anti-ocidental rejeitava – e à situação económica. Apesar da prosperidade, a sociedade Egípcia permaneceu pobre e cresceu a desigualdade. Mas esta evolução não pode ser atribuída a Sadat e ao seu governo pois todos os países mediterrânicos sofrem da mesma tendência para o abismo social. Se no sul da Europa a protecção económica da Europa do norte tem ajudado a minorar o problema, o médio oriente não tem tanta sorte e todas as sociedades Árabes padecem da desigualdade social. Certamente que esta desigualdade é incrementada pela corrupção e pelo centralismo mas ela é ainda assim endémica.

 

Mubarak continuou as políticas de Sadat e conseguiu manter a influência geopolítica do Egipto assim como a estabilidade e o crescimento económico. É importante compreender que nenhum governo é capaz de lidar com um crescimento demográfico explosivo como aquele que tem vivido o Egipto – e que é prova da sociedade próspera que é a república árabe. Este crescimento assim como a crise financeira, contribuíram em muito para o aumento do desemprego. Juntando a isto o desgaste temporal do regime (sublinho que é o regime militar e não Mubarak, pois durante a ditadura de Nasser, as multidões nas ruas aclamavam este último; não exigiam a sua saída) e a inspiração da revolução Jasmim era uma questão de tempo.

 

A acontecer, a queda do regime de Mubarak será uma tragédia para o Egipto, uma sociedade em muitos aspectos livre, tolerante e próspera. Durante os anos 90 e 00, o filho do ditador, Gamal Mubarak e a sua equipa conseguiram reformar a administração e a política económica do Egipto e levaram o país aos mais altos índices de crescimento económico da região, um feito notável se atendermos à máquina burocrática do Cairo e ao peso do regime.

 

É preciso manter em perspectiva todos os factos. El-Baradei não é um homem carismático e mal se faz ouvir quando se dirige à multidão manifestante. Ele seria uma má aposta para liderar um executivo de coligação e manter fora da ribalta os extremistas da Irmandade Muçulmana – assumidamente anti-ocidental, à excepção da sua paixão pela democracia, que sabe lhe garantirá o governo em caso de eleições livres. Ainda que toda a sociedade esteja cansada do regime, muitos dos que se manifestam no Cairo e em Alexandria são as elites urbanas com qualificações e não a plebe mais empobrecida, pois essa sentiu bem o efeito das reformas do governo de Mubarak – quanto mais não seja na prole mais numerosa que se dá ao luxo de sustentar.

 

Como seria um Egipto sem regime militar e com governos liberais e islamitas no governo? Seria um país instável, ambíguo e em dificuldades económicas. Certamente que tanto liberais como islamitas tentariam exacerbar programas sociais para agradar às camadas mais pobres – se por mais nenhuma razão para legitimar o novo regime e condenar o predecessor. Sem a supervisão presidencialista no entanto, isso rapidamente levaria o Egipto ao endividamento. Se é certo que a corrupção diminuiria, também é verdade que o aparelho estado cresceria a olhos vistos. Uma justiça mais garantista e menos arbitrária traria mais equidade legal mas também uma maior lentidão e menos atracção de investimento directo estrangeiro. Sem a confiança de Washington, o Egipto veria também a sua influência regional diminuir. A presença da Irmandade Muçulmana et al no governo suscitaria a desconfiança de regimes outrora aliados e se o Cairo se quisesse distanciar dos EUA teria apenas a Turquia, o Irão e a Rússia para onde se virar. Todos cobrariam caro o apoio, não teriam tanta capacidade de investimento ou de apoio militar e todos significariam uma ‘partilha’ do poder geopolítico do Egipto no médio oriente.

 

Isto não partindo da possibilidade de que a Irmandade torne o Egipto numa nova Líbia…

 

Gamal Mubarak representava uma possibilidade pequena de que o Egipto pudesse continuar a prosperar e a liberalizar. Talvez até maior respeito pelos direitos humanos e uma contribuição para a resolução definitiva do processo de paz. Esta revolução, a surtir efeito, trará apenas mais governo e mais irresponsabilidade no executivo.

 

Teremos que assistir a mais um ciclo Nasser antes que os governantes populistas do Cairo se apercebam que as políticas do anterior regime eram afinal sensatas…

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