Uma noite esclarecedora
Ontem, como em todas as noites eleitorais, houve vencedores e vencidos. Houve as costumeiras demissões, promovidas pela personalização da derrota, houve vitórias claras, outras arrancadas a ferros de mais um ou dois deputados eleitos, ou de mais 0,5 ou 1% de votos. Mas havia muito mais em causa nestas eleições que a configuração do parlamento. E o povo respondeu a esse apelo eleitoral com enorme clareza! Houve, ontem, muitos derrotados que não foram sequer a votos.
A maior derrota da noite é a do discurso de protesto. A maior derrota da noite é a daqueles que irresponsavelmente se subtraem à solução. A extrema esquerda sofreu uma derrota clara e esclarecedora. 85% dos portugueses disseram que acreditam no Estado social sustentado numa economia de mercado e que vale a pena aplicar um programa duro de austeridade para mantê-lo. Foi isto que o povo português disse ontem. Com clareza e transparência. É uma derrota política mas também ideológica à Esquerda. E o Bloco de Esquerda é o principal rosto dessa derrota. Fica claro para o Bloco que o único caminho de crescimento é à esquerda do PCP e não no espaço do protesto.
Portugal votou as soluções, e penalizou o protesto. Por isso ontem houve outro derrotado que não foi a eleições: a CGTP. A maior central sindical do país que se recusou assinar o acordo entre parceiros sociais com o Governo em Março deste ano. Ontem o eleitorado deu um claro sinal de que quer entendimentos em torno do memorando negociado com o exterior. Isso exige à CGTP uma postura diferente no futuro! Isso exige à CGTP uma postura de negociação e compromisso. Portas estava certo quando disse, no seu discurso de ontem, que o país não vai lá com mais greves e protesto. Essa foi a mensagem mais clara do eleitorado. Também os protestantes do Rossio, as franjas arrogantes que anunciam o novo mundo onde somos todos iguais e finalmente livres devem repensar o seu protesto. É que os portugueses não querem uma revolução. Querem uma solução que permita a continuidade na construção da social-democracia que vem construindo desde 74.
Outra derrota significativa é a do preconceito ideológico. Durante toda a campanha eleitoral a esquerda abanou com as bandeiras do neoliberalismo. O eleitorado não se assustou. Fica derrotado o mito que a esquerda criou desde o 25 de Abril: o de que a sociedade portuguesa preconiza uma sociedade socialista. Por mim fica clara a legitimidade democrática para propor, em sede de revisão constitucional, a revisão do preâmbulo da Constituição da República que constitui ainda o único resquício da ditadura que o país viveu no século passado. Ficou ontem provado que o fantasma da ditadura já só vive no armário da esquerda.
Portugal votou ontem por um caminho de prosperidade económica e de justiça social independentemente do liberalismo das propostas. E isso é significativo ideologicamente. Esperemos que o Partido Socialista aprenda, também, esta lição e deixe cair, na oposição, as ameaças bacocas e fúteis em torno de chavões ideológicos por forma a que se promova, durante os próximos 4 anos, o debate concreto de ideias e soluções para o atraso estrutural do país.